quarta-feira, 27 de junho de 2012

Poema de São João


No interior, no São João,
Acendem-se fogueiras iluminadas
Uma e outra consumindo a noite
Fantasmas de luz na madrugada.

Queimam solitárias as fogueiras
Rosas de fogo nas calçadas
Soltando pétalas de faísca
No jardim do céu esfumaçado.

Famílias reunidas em cadeiras
Comungam histórias do passado
Bebe-se e come-se a noite inteira
A mesma noite dos apaixonados.

No fim da rua, numa praça,
Há um palhoção para dançar
No meio, um homem morto já não dança.
A tragédia também é parte da festança.

Assim foi um São João da minha infância
Que, distraído, dei por recordar
Longe dos vizinhos — que a intimidade
Não me deixa repartir lembranças
                                           nem um bolo de fubá.


quarta-feira, 20 de junho de 2012

Chuva


Chuva fina
Que cai agora
Monocromático cinza
Tempo sem hora.

Não és sina
Nem saudade, nem espanto
Nem sequer poesia.
Apenas um manto
líquido
Sobre a casa vazia.

Chuva fina
Que cai agora
Demora indefinida.
A manhã se desdobra
Em teus braços-neblina.

Na janela vazia
À sombra do vento
Minha alma tardia
Devora o silêncio
Que há em ti,
E só em ti,
Chuva fina que chora
E que cai agora.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Maria*

Um dos contos vencedores do II Prêmio Maximiano Campos de Literatura, publicado no livro O talento com as palavras.


           
             — Maria — eu sussurrava teu nome quando desliguei o aparelho de TV que roubava minha madrugada. — Já é tarde, Maria, e eu vou me deitar neste silêncio de tantas portas, a maioria fechada ou despercebida; eu vou tentar ouvir todas as músicas do mundo nessa quietude, eu vou terminar aquele poema que nunca comecei, só para fugir do medo do silêncio.

            Eu sussurrava — Maria, onde estão nossos pecados? No desejo, na inércia da noite, nos escritórios ou nas fábulas que encenamos pela vida afora, sem plateias?

            O rubi que tu me roubaste, Maria, era do tamanho de meu coração, de uma taça de vinho, e o meu coração era do tamanho do teu sexo; o meu pensamento, e eu sei que já era tarde, cabia na tua boca, enrolado na tua língua que dizia: — Desculpa, meu amor.

            — Desculpa um caralho!

           — Não precisa ficar nervoso. Olha, tudo vai ficar bem. Esse amarelo no crepúsculo é só a hidra do tempo.

            — É tarde, Maria. Não há mais tempo.

            Talvez tu não soubesses que era tarde para o perdão e cedo para o pecado; que meus olhos estavam cegos pela navalha flamejante de teus dedos quando me acariciavam o cabelo; que aquele telefonema não era nada! Eu só te via renascer dos meus pulsos que pingavam a água infinita de Deus; tu, enraizada na minha carne, cravada na pedra dos meus poros, da minha pele, como uma tatuagem depravada… “Porra! Para com isso! Nada vai ficar bem!”

            — Assim não dá pra conversar!

            — Me devolva… Me devolva os cacos do idiota que eu fui, acreditando no sorriso pálido das tuas mentiras, hahaha… Das nossas mentiras.

— Não precisa gritar…

— Eu grito! Eu grito porque sei que mais tarde eu vou sussurrar o teu nome.

Mas eu não vou te dizer isso agora, não. Eu vou apenas abrir essa porta para saber o que há do outro lado da cama. E na ebriedade de meus pulsos lambuzados de vinho amargo, vou deixar teu nome sussurrado nos rastros dos azulejos, profanados pela ausência de teus orgasmos, dizendo:

— Maria, é tarde, Maria.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Tradução*

A porta no escuro 
Robert Frost



Indo de sala em sala no escuro,
Para salvar minha face tateei cegamente,
Não atentei, porém, embora levemente,
Em fechar meus dedos e braços com apuro.
Uma porta magra atravessou meu descuido
E me acertou na cabeça golpe tão duro
Que meu semblante nativo ficou confuso.
Então, pessoas e coisas não são mais semelhantes
Às que elas costumavam se assemelhar antes.


The Door in the Dark 
by Robert Frost

In going from room to room in the dark,
I reached out blindly to save my face,
But neglected, however lightly, to lace
My fingers and close my arms in an arc.
A slim door got in past my guard,
And hit me a blow in the head so hard
I had my native simile jarred.
So people and things don't pair any more
With what they used to pair with before.


* Há tanta interferência minha no poema que nem sei se posso chamar de tradução. De qualquer modo, eis o esforço.