quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tradução

Bluebird*
(Charles Bukowski)

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pour whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

Pássaro azul
(Charles Bucowski)
Tradução livre: Malthus de Queiroz

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Porém, mais do que ele, sou valente.
Eu digo: fique aí, que não vou
Deixá-lo à vista de qualquer um.

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Mas eu o afogo em uísque e inalo fumaça de cigarro
E as putas e os barmen
E os funcionários de supermercado
Nunca o sabem lá.

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Porém, mais do que ele, sou valente.
Eu digo: Esconda-se, você quer me queimar?
Você quer estragar tudo?
Você quer arruinar as vendas de meu livro na Europa?

Há um pássaro azul no meu peito
Que quer libertar-se.
Mas eu sou esperto: só o deixo sair à noite, às vezes,
Quando todos estão dormindo.
Eu digo: Sei que você está aí.
Por isso, não fique triste.

Então, coloco-o de volta,
Mas ele canta um pouco,
E eu não consegui deixá-lo morrer ainda,
E assim dormimos juntos,
Com nosso pacto secreto,
E isso é belo o suficiente para
Fazer um homem chorar.
Mas eu não choro.
Você chora? 

O original em inglês foi extraído do site http://allpoetry.com, em 30 de novembro de 2011.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Terça-feira Ingrata

Adalberto sempre amou o Carnaval. Desde o dia em que, criança pequena pendurada nos ombros do pai, debruçou seus olhos numa colombina colorida, que dançava alegremente uma marchinha há muito esquecida. O fulgor das cores, o ritmo efusivo das danças, as máscaras: tudo se espalhava pelo tempo, como um sorriso plantado na eternidade.

E eram tão profundas as marcas que essas pequenas felicidades tinham-lhe causado que, mais tarde, já homem feito, não podia evitar esses assomos da infância: dizia à esposa que só brincaria na sexta, os amigos do trabalho estariam todos lá, pegava até mal ele não ir logo na abertura oficial. Ela, de veneta, esbravejava, louca de ciúmes:

— Dia desses, tu não vai me encontrar mais aqui quando voltar.

A sexta estendia-se, e ele, invariavelmente, voltava no domingo, com um presente barato, reclamando de um mal-estar que iniciara na sexta mesmo, não tinha podido nem aproveitar bem esses dias. Entrava em casa falando sem parar, olhando os detalhes da estante, a foto dos filhos parecia estar mais amarela, se aquela almofada era nova, nunca a tinha visto antes. A esposa, tomada de orgulho ferido e orgulhosa pelo seu retorno, não respondia de imediato. Primeiro, ignorava-o, até que ele, conhecendo bem os trilhos do reatamento conjugal, parava de falar. Depois, tomado o banho e feitas as devidas reparações no corpo, que eliminam o fedor de bebedeira, a barba e outros traços do desbunde, punham-se na sala a ver TV, onde, também seguindo um espécie de roteiro obrigatório, iniciava a discussão. E, apesar de insistir que dormira na casa do Alfonsinho e que só não tinha voltado pra casa porque acordou muito mal e só se recuperou na madrugada de hoje, Adalberto sempre passava a primeira noite de seu retorno no sofá, o que considerava já uma aceitação da parte dela, premissa de que as coisas logo voltariam ao normal.

Um ano desses, Adalberto exagerou. Saíra para a sua tradicional sexta de abertura carnavalesca e só voltou na terça. Vinte e nove chamadas não atendidas no seu celular. Primeiro, estranhou o portão trancado; depois, o silêncio na casa. As panelas na pia, pratos sujos de comida, a cama desfeita. Na esquina, o vendedor ambulante de CDs tocava uma música triste do Michael Jackson, da época dos Jackson Five. Sentou-se no sofá, com a roupa que chegara da rua. Por instantes, não soube o que fazer, até que lembrou de D. Lurdinha.

— D. Lurdinha, Linda tá aí?

— Tá não, meu filho. Ela não está em casa, não?

Não estava na casa da mãe dela, nem da mãe dele. Nem na casa dos amigos mais próximos. Ninguém a vira nem soubera notícias. Adalberto andou de um lado para o outro na casa, sem saber direito o que pensar. De repente, num arroubo de desdém, tomou o caminho do bar do Pedro, na esquina de sua casa. Pediu uma cerveja e tomou-a em pé, no balcão mesmo. Pediu outra. Perguntou se o último bloco já tinha passado. O homem do outro lado do balcão, filho de seu Pedro, respondeu que passava em instantes. Adalberto esperou. E, quando o bloco passou, pôs-se a dançar, com a euforia de todos os carnavais juntos.

Foi quando reconheceu a colombina do outro lado da rua. Colorida, jogada nos braços da felicidade. Aproximou-se. Ela, vendo que ele chegava perto, encarou-o firmemente. Ele tomou-a nos braços, beijando-lhe a boca sofregamente.

— Linda, vamos voltar para casa. O Carnaval é uma alegria passageira, ilusória.

Mas ela, fervorosa na medida da música, preferiu seguir o bloco, em meio às máscaras e às cores que tudo consomem.