quinta-feira, 23 de junho de 2011

Mundo Contemporâneo

 Amor, tira a roupa e deita aqui juntinho.

 Como?

— Tira a roupa e deita aqui, que eu estou pegando fooogo...

— Mas, assim, do nada...?

— É. Só tira a roupa e deita aqui. Mas não apaga a luz, tá?

— Com a luz acesa?

— É, pra eu poder ver...

— Pra você poder ver...?!

— É. Vai, tira a roupa e deita...

— Hã... é... Sabe... É que eu tenho... hã... vergonha.

— Vergonha!?

— É. Vergonha... Vergonha!

— Ah, deixa disso, amor. Vamo fazer gostosinho no claro.

— Mas por que no claro?

— Pra gente dar uma variada.

— Quer dizer que tá ruim?

— Não, amor, tá ótimo... É que... sabe? Uma coisinha diferente...

— Amor, cê quer dizer alguma coisa?

— Não. Eu só queria... Olha, esquece isso de luz acesa. Tira a roupa, apaga a luz e deita aqui juntinho, bombonzinho...

— Tá bom, mas eu vou apagar a luz, tá?

— Tá bom. Mas vem logo, vem...!

34 segundos depois:

— Calma, amor. Você está pegando fogo mesmo, hein?

— Derretendo! Vai, encosta aqui...

— Devagar... Olha, cê sabe que eu não gosto assim. Tem que ter um clima. Carinho, beijo... Uma conversinha de pé de ouvido...

— Tá bom. Vamo falar sacanagenzinha no ouvido?

— Sacanagem? Pô, amor. Eu pensei em algo mais romântico.

— Romântico como? Do tipo “eu te amo”?

— Não, amor. Isso é muito batido.  Eu queria uma conversa assim, sei lá... Mais... Romântica.

— Tá bom. Então me diz como foi teu dia hoje.

— Isso não é muito romântico.

— Eu só queria criar um clima de intimidade.

— Tá bom, vai, sem romantismo.

— Oba! Então coloca tua mão aqui, devagarzinho... Hum, tá vendo, que gostoso?

— Delícia.

— Agora, passa a tua mão por aqui...

— O que é isso?

— Comprei na sex shop.

— Você foi na sex shop? Sozinha?

— Fui. Por quê? Uma mulher não pode ir a uma sex shop sozinha?

— Pode. Quer dizer, pode?

— Claro que sim, amor. Vai, a gente discute isso depois... Pega aqui, vai... Isso, devagarzinho, que sua esposinha é muito delicada...

— Hã, hã. Tou vendo.

— Tá gostoso?

— Tá.

11 minutos depois.

— Nossa, amor, você estava uma fogueira, hein? Amor...? Amo-or...? Dormiu. Putz, como essa mulher dorme rápido depois que... Bom, o jeito é tomar cerveja e ver o futebol sozinho mesmo! 

Sem título. Theo Costa.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A velha no portão

Te encontrei, Ana,
Na esquina distraída dos acasos.
Compravas teu cigarro desinteressadamente,
Como se cumprisse a liturgia dos atos pequenos.
Falaste de Londres, da mudança de trabalho,
E o teu pai adoecera no último mês
— nem parece, um dia, repartimos sonhos.

A despedida foi igualmente banal:
Com o desespero estrangeiro das palavras
Trilhamos acenos de caminhos contrários 
— folhas caídas que a velha absorta no portão se encarregará de varrer.