sexta-feira, 15 de abril de 2011

Fim de Sábado

A tarde já caía mansa pelos lados do Amparo quando o bloco da Rua Nove descia pela ladeira da Prefeitura, levando consigo uma pequena multidão de foliões que preferiram o sábado de Zé Pereira para pular o Carnaval. Entre os mais animados, estavam o Juarez, um jovem recém-saído da faculdade, que cantava com fervor as músicas tocadas pela bandinha que seguia o bloco, e sua namorada, Maria.

Sua tamanha disposição para a folia tinha um motivo: Juarez, a custo de seis horas por dia de estudos durante dois anos, havia passado recentemente no concurso para auditor fiscal da Fazenda. E Maria, sua vizinha de andar — que, antes da notícia da aprovação de Juarez se espalhar, havia ignorado solenemente sua existência —, não desgrudava os olhos dele, seduzida que estava pela conquista de um homem que, no pequeno espaço de tempo de uma prova, deixara de ser um indivíduo comum para se tornar um servidor público de algum escalão.

A proximidade repentina da moça deixava a mãe de Juarez endiabrada:

— Menino, toma vergonha. Tu correu atrás dessa mulher a vida toda, e ela sempre te deu as costas. Deixa de ser burro.

Juarez não se contaminava com os comentários maldosos.

— Agora é diferente, mãe. Agora eu tenho um futuro para oferecer a ela.

E não tinha jeito mesmo. Andavam de namorico, jantar num dia, praia no outro, cinema, boate, cervejinha com os amigos, Carnaval. Pulavam freneticamente, ora executando de forma amadora passos de frevo, ora repetindo os dois passos de maracatu que sabiam. Nada importava; estavam felizes ali, se abraçavam e continuavam sua dança desritmada rumo ao Mercado do Varadouro, ponto final do desfile do bloco.

Num desses passos de frevo mal executados, Juarez esbarrou sem querer em um homem que estava parado na rua, derrubando sua cerveja. Desculpou-se, mas o homem fitou-o de maneira decisiva. Juarez parou, desculpou-se novamente, e o homem nada, não se mexia. Apenas olhava-o sério, vidrado, sem dizer palavra. Juarez se ofereceu a pagar outra cerveja, mas antes de terminar a frase, o homem desferiu-lhe um murro no nariz, fazendo o sangue jorrar inutilmente pela roupa de Juarez. O caso foi suficiente para criar um pequeno tumulto.

Tencionando levantar-se do chão, Juarez avaliava revidar — não se batia em um auditor da Receita sem ter o troco à altura. No entanto, o que se viu foi pessoas correndo para todos os lados. Alguém gritou: “Ele está armado”. 

O homem desferiu três tiros contra Juarez, quando ainda se levantava. Em meio à confusão, ninguém viu o agressor fugindo por um beco estreito, que dava para a rua da Bica e se ligava com a avenida principal.

O corpo foi removido às dez e trinta da noite, justamente na hora em que começavam os shows no palco principal da Praça do Carmo.